180 anos de elevação à Cidade (1840 - 2020)



"A Vila de Campanha da Princesa, edificada sobre uma colina agradável e pitoresca, seguiu os traçados do urbanismo português, no qual o curso das ruas se amolda ao relevo, em ladeiras íngremes e com cordoamento não planejado. As ruas ligam pontos como: largos, igrejas e comércio. Há que se lembrar que o Ouvidor da Vila de São João del Rei, Cipriano José da Rocha, afirma que havia encontrado um arraial com “muito boas casas” e “um povoado com praças e ruas em boa ordem”. Embora faltasse igreja, o que logo providenciou, bem como a construção da Casa de Intendência, “para não suceder irregularidade que se acha nas vilas destas minas”. Caberia ao Ouvidor, de acordo com cronistas, o estabelecimento do traçado em linhas gerais da vila.

Nesse sentido, após a elevação à condição de vila, uma das primeiras providências do juiz de paz, além de mandar fazer benfeitorias, foi a determinação do estabelecimento das cadeiras de ler e escrever e de gramática latina. Ainda organizou diversos serviços de arrecadação para a fazenda pública, procedeu à construção de estradas e caminhos, de pontes, de pavimentação e alinhamento de ruas e praças, construiu edifícios para abrigar serviços públicos e órgãos militares, bem como de templos religiosos e casa de caridade.
De acordo com tradição dos paulistas, os primeiros grupos de pessoas que se estabeleceram no arraial fixaram-se nas partes mais elevadas, onde já havia uma formação inicial que daria origem ao Largo da Matriz (1739), considerado marco da urbanização da freguesia. Com o crescimento da população e com um percentual bastante acentuado de negros, um novo templo de devoção é criado: a Igreja do Rosário (1759). A cidade se expande em direção sul, colina acima. Tal localidade foi nomeada de Alto do Rosário e foi o segundo Largo da Freguesia. Possuía uma igreja simples, de taipa e com torre sineira externa. Com a elevação à condição de vila (1798) são edificadas mais duas igrejas: a das Dores (1799) e a de São Sebastião (1805). A vila se expande em direção oeste. Todo o território da vila se encontra interligado por ruas e largos. A exemplo de outras localidades com orientação definidas pelos elementos do urbanismo português, vê-se que a praça, localizada na parte central da povoação, é o eixo regulador da estrutura física da vila de Campanha da Princesa. É a partir da dessa praça (Largo da Matriz) que se organiza o traçado das ruas e se define o conjunto da malha urbana. Há ainda presente a preocupação com a formosura e a regularidade do traçado, vislumbrada pela ideia de planejamento e de poder existentes nos documentos da época.
O urbanismo setecentista procurava dar regularidade à forma das ruas, praças e novas quadras. Perspectivas como “formosura da terra”, “formosura da vila”, “formosura das ruas” também regiam o ideal de cidade, às quais as determinações urbanísticas deveriam moldar-se. Portugal teve papel relevante no desenvolvimento desses novos princípios ou conceitos de cidade. O elemento idealizador remetia à associação de uma cidade regular à boa ordem social presente na construção de seu império ultramarino. O emprego de um conjunto único de edificações básico não implicava no domínio de técnicas de construção muito elaboradas. Isso possibilitava a ereção de um número ilimitado de unidades habitacionais e administrativas, embora no todo essas pudessem ser bastante monótonas. As fachadas não se modificavam muito: uma ou duas janelas e porta. A fachada era estreita, alongando em profundidade no interior da residência, na planta retangular. As residências mais ricas apresentavam um número maior de portas e janelas.
Na segunda metade do século XVIII, com retração da atividade mineradora, outras atividades passam a compor também o cenário econômico das Minas Gerais que se volta especialmente para o cultivo da terra e/ou criação. Pouco a pouco, lavoura e pecuária ocupariam papel de destaque e mão-de-obra cada vez mais numerosa. A vila da Campanha da Princesa tornar-se-ia nesse momento de transformações em um dos mais expressivos centros urbanos da região de Minas Gerais. Com ativa participação na vida política, ao longo do século XIX, destacou-se também pelas atividades econômicas desenvolvidas, especialmente a agropecuária e também pela existência de um comércio bastante expressivo. Exemplo de seu crescimento econômico pode ser verificado na presença de certos materiais na composição de sua urbanização e arquitetura como atestam no início do século XIX (1817-1820), os naturalistas Spix e Martius quando de passagem pela vila. Em seu livro “Viagem ao Brasil”, afirmam que viram na vila “bonitas e diversas casas de dois pavimentos, providas de janelas envidraçadas, um dos mais custosos ornamentos do interior do Brasil”.
O sul de Minas constituía-se em uma região que faz fronteira com o Rio de Janeiro e São Paulo, abrangendo uma área territorial bastante significativa. Constituía-se desse modo em caminho das tropas que abasteciam a Corte desde 1808, bem como em percurso de viajantes estrangeiros ao longo do século XIX. Além disso, nas primeiras décadas do século XIX há o crescimento demográfico expressivo da comarca do Rio das Mortes, constituindo-se as vilas de São João Del Rei, Barbacena e Campanha como os mais importantes núcleos urbanos da região. Destacava-se a existência de um variado comércio e a produção agropecuária voltada para o mercado interno. Em 1836, e acordo com o relatório do fiscal da província, Campanha possuía o maior número de pequenos comércios (471 vendas) e ocuparia a sexta posição dentre as localidades que se voltavam para a atividade açucareira (84 engenhos). Como resposta a significativa posição que a vila ocupava no cenário na província é elevada à cidade, por decreto provincial, no ano de 1840."

O BRASIL NO SÉCULO XVIII/XIX E A FORMAÇÃO TERRITORIAL DAS MINAS GERAIS
A Vila de Campanha da Princesa
Patrícia Vargas Lopes de Araujo
Universidade Estadual de Campinas
Universidade do Estado de Minas Gerais/Campus Campanha

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